QUILOMBO
RETIRO:
ENTRE RAÍZES E
INFLUÊNCIAS
Patrícia
Veronesi Batista (patricia_veronesi@yahoo.com.br)
Aluna da Especialização em Gestão de Políticas
Públicas em Gênero e Raça – UFES
1
INTRODUÇÃO
Na manhã do dia 6 de setembro de
2014 a turma de pós-graduação do Curso de Gestão de Políticas Públicas em
Gênero e Raça (GPP-GeR), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
visitou a comunidade quilombola do Retiro, em Santa Leopoldina, região serrana
do Espírito Santo, e como resultado dessa experiência segue o presente registro de
impressões e críticas suscitadas em meio à visita.
2
VISITA AO QUILOMBO DO RETIRO
Durante a visita fomos guiados por
duas jovens moradoras (Maristela e Sheila) a alguns dos principais lugares de
uso comum (como igrejas, centro comunitário, creche, etc.) e a moradores que
estavam disponíveis a nos receber para uma conversa. Assim tivemos a
oportunidade de conhecer parte do local e ouvir de alguns moradores jovens e
idosos passagens de sua história, como se deu a constituição do quilombo e como
a comunidade tem se organizado na atualidade.
Diante dessas constatações,
destacarei dois questionamentos que motivarão minhas reflexões neste trabalho:
o primeiro, quais os critérios utilizados
para reconhecer uma comunidade como remanescente de quilombo? E o segundo,
que surgiu em reflexão ao primeiro, como
ser uma comunidade quilombola na contemporaneidade?
3 FORMALIZAÇÃO DO QUILOMBO
O direito à propriedade da terra é
determinado no artigo 68 da Constituição Federal[2]. E
o direito à autoidentificação das comunidades quilombolas, pelo Decreto
4.887/03[3],
assim como pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais (PNPCT), e Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT)[4].
Segundo definição encontrada no
site da Fundação Cultural Palmares "quilombolas são descendentes de
africanos escravizados que mantêm tradições culturais, de subsistência e
religiosas ao longo dos séculos"[5].
Muitos teóricos afirmam que
atualmente as comunidades quilombolas podem ser instituídas a partir de vários
processos de formação, desde ocupações de terras isoladas em decorrência das
fugas, heranças, doações, recebimento de terras como pagamento de serviços
prestados, a simples permanência nas terras, até a compra de terras, tanto
durante, quanto após o sistema escravocrata.
De acordo com o Diagnóstico Social do Retiro[6],
o quilombo do Retiro surgiu a partir do ex-escravo Benvindo Pereira dos Anjos e
permaneceu através de seus herdeiros. E segundo afirma o prof.º Osvaldo Martins
de Oliveira[7]:
[...] o entendimento
da política e associação de seus herdeiros através de uma ancestralidade em
comum constitui a dimensão fundamental para o entendimento da identidade étnica
do grupo, pois todas as pessoas denominadas "herdeiras" de Benvindo
constituem descendência deste e de seus filhos e filhas (OLIVEIRA, 1999).
Desta forma, o critério utilizado
para a formalização do quilombo do Retiro foi a "ancestralidade em
comum", não sendo um impedimento a ocorrência da compra do terreno, que
segundo afirma o referido diagnóstico do IBASE/FURNAS, foi comprado em 1895,
mas constituía apenas a primeira das duas áreas de terra adquiridas e na sequência
a população foi constituindo-se com os casamentos entre famílias negras da
região e aos poucos perdendo terras para fazendeiros locais. Contudo, destaca a
constante identificação e ideia de pertencimento à família de Benvindo Pereira
dos Anjos.
Em 1990 surge a Associação dos Herdeiros do Benvindo Pereira
dos Anjos, com propósito de garantir o território, lutar pelo
reconhecimento de seus direitos, dentre eles, o reconhecimento da identidade
étnica do grupo.
Atualmente residem no quilombo
cerca de 250 pessoas, aproximadamente 70 famílias residentes e outras 70
não-residentes, porém consideradas como herdeiras.
4
AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Esta parte do trabalho deve-se em
grande medida ao relato das jovens que guiaram o passeio, ao demonstrar que a
questão de uma identidade nomeada como "quilombola" é recente, pois até
pouco tempo tinham vergonha de declarar-se negras.
Suas falas possibilitaram refletir
o quão difícil aparenta ser para essa geração, que tem acesso às escolas, às
universidades, às cidades, às redes sociais, às facilidades de informação e aos
veículos midiáticos, identificar-se com a história de seus ancestrais e
sentir-se parte dela. Como afirmar uma identidade coletiva, quando sua
identidade pessoal já não se estende muito além de seu passado pessoal?
Sabemos que a continuidade de um
grupo depende fortemente da transmissão de sua história, música, valores
culturais, hábitos, e que da memória dependerá a sobrevivência do passado.
Pensando nisso, percebe-se que a comunidade remanescente de quilombo do Retiro apresenta
certa fragilidade, uma vez que não há projetos sendo desenvolvidos entre os
jovens de forma que os motive a fazer parte dessa história, a viver na e da
comunidade, que os possibilite restaurar suas raízes culturais.
Há ainda, a sensação de que as gerações
anteriores, os avós e parentes mais tradicionais, comprometeram também o lugar
de importância dado às suas práticas culturais como a confecção de peneiras,
instrumentos musicais por exemplo, que não foram repassadas para as novas
gerações e hoje estão a ponto de cair no esquecimento.
Não trata-se de esperar que essas
pessoas vivam isoladas de toda a tecnologia, conforto, acesso a serviços
públicos, que as sociedades pós-modernas tendem a desfrutar, afinal fazemos
parte de um Estado democrático de direitos, onde todos devem ter acesso a esses
bens e serviços públicos. Seria uma incoerência esperar que essas pessoas
vivessem em completo estado de isolamento e sob as condições em que viviam seus
ancestrais, as sociedades evoluem e todos devem evoluir em situação de
igualdade, o que busco destacar aqui é uma grande carência no suporte dado à
comunidade pelos órgãos públicos locais e pelas organizações de apoio a
quilombos, comprometendo desde serviços básicos (como a coleta de lixo, que é
feita uma vez por semana apenas[8])
até os projetos e investimentos que a comunidade deveria estar recebendo, uma
vez reconhecido e instituído o quilombo.
Tal situação acaba refletindo a
falta de articulação dos líderes comunitários, dos jovens e moradores em geral,
na busca por investimentos, pelo resgate e preservação de sua história, uma
comunidade organizada, ativa, bem informada sobre seus direitos e deveres como
povo quilombola tem mais condições de reivindicar melhorias e não acomodar-se
com a situação em vivem, é preciso desenvolver um espírito participativo,
conhecer como outros quilombos se organizam, quais práticas fariam diferença na
reconstituição de suas raízes.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, vê-se que o quilombo do
Retiro possui grande potencial histórico, representando uma verdadeira riqueza
para o município, que assim como muito da história dos negros no nosso pais,
foi perdido, desconsiderado em importância social e cultural devido aos
processos de branqueamento, fazendo de seus povos sujeitos remodelados aos
padrões vigentes, na tentativa de incorporá-los ao padrão cultural imposto, mas
que sofrem históricos processos de discriminação, exclusão, e que diante das
atuais tentativas de reconstituição de sua cultura, vivem uma verdadeira crise
identitária.
Diante da referida situação
precisam investir em seus movimentos comunitários, exigir das autoridades
competentes que seus direitos sejam respeitados, precisam desejar recuperar
suas essencialidades, os traços que os distinguem dos demais, sem abrir mão do
tratamento diferenciado de que necessitam para alcançar a verdadeira igualdade
diante de todos; é necessário ter orgulho de ser negro, orgulho de fazer parte
de um quilombo e querer fazer desse um lugar representativo de sua história, de
seu comprometimento com o passado, com o presente e com o futuro.
REFERÊNCIAS
SILVA, Itamar. Diagnóstico Social do Retiro. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas / IBASE, FURNAS
Centrais Elétricas SA e COEP (Comitê de Entidades no Combate à
Fome e pela Vida), 2006.
OLIVEIRA, Oswaldo Martins. Negros, parentes e herdeiros – Um
estudo da reelaboração da identidade étnica na comunidade de Retiro – Santa
Leopoldina – ES. Tese de Mestrado em Antropologia, Universidade Federal
Fluminense - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciências políticas, RJ, 1999.
Site consultado:
Fundação Cultural Palmares. Disponível
em: http://www.palmares.gov.br.
[1] Segundo consta no site da
Fundação Cultural Palmares. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?page _id=88#>. Acesso em: 23 set. 2014.
[2] Art. 68. Aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
[3] Regulamenta o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o
art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
[4] Convenção sobre
Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional
do Trabalho.
Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?page_id=88&estado=ES#>. Acesso em: 25
set. 2014.
[5] Realizado pelo
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas / IBASE, FURNAS Centrais
Elétricas SA e COEP (Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida), em
abril de 2006.
[7] Professor e
pesquisador que na ocasião da elaboração de sua dissertação de Mestrado em
Antropologia, pela Universidade Federal Fluminense esteve em Retiro (como
pesquisador), em diversas ocasiões e por considerável período de tempo, para o
levantamento de informações com o intuito de compor o conteúdo da referida
dissertação.
[8] Este serviço é realizado pela
Prefeitura Municipal de Santa Leopoldina.
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VISITA A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RETIRO
SANTA LEOPOLDINA
Por Maria da Glória de Souza
Sábado, 6 de setembro de 2014
Na manhã desse sábado, alguns alunos de Pós Graduação em Políticas Públicas de Gênero e Raça estiveram no Quilombo de Santa Leopoldina, uma visita organizada pela professora Beatriz. O local marcado para que o grupo se reunisse, foi em Barra de Mangaraí, por volta das 08h30min, lá estávamos ansiosos pelo passeio.
A história do avô, que se apaixonou por uma índia, do casamento não aprovado pelos pais da índia – segundo relatou, a indiazinha quando pequena ficou com um casal que a criou como filha, pessoas de posse que não viam futuro no casamento da filha com o escravo – mas o amor e o desejo falaram mais alto e os dois se casaram e tiveram filhos.
Mostrou ao grupo fotos da família, quando tinha 16 anos em um passeio ao Convento. Religiosa, demonstrou sua devoção a Nossa Senhora e contou com orgulho que esteve em Aparecida-SP por sete vezes.
Seu esposo, Sr. Vavá – como é conhecido – mostrou uma casa de estuque que conservam no fundo da casa.
Maristela e Sheila relataram que na Comunidade vivem 70 famílias, que as festas tradicionais acontecem três vezes ao ano: na época do padroeiro São Judas Tadeu, na fincada do mastro por ocasião da festa de São Bendito que começa em dezembro e termina em Janeiro com a retirada do mastro e a festa do centenário do Quilombo que em janeiro fará 115 anos de existência. Há o grupo denominado Quilomblack - do qual as duas são integrantes - que tem muitos integrantes jovens com diversas danças, não há um ritmo somente, tem capoeira, maculele, entre outros.
A Comunidade necessita do olhar do Poder Público, por ser uma Comunidade Tradicional reconhecida e visitada por muitos grupos do Estado, percebe-se um abandono por parte da gestão local. A Comunidade carece de infra-estrutura, na chegada, tem uma igreja, a creche ao lado e uma construção, que será a Unidade Básica de Saúde. São os únicos equipamentos existentes.
O Centro de Referência de Assistência Social – Cras tem feito um trabalho de sensibilização com as famílias, a Assistente Social do Cras reúne-se na Comunidade Quilombola, de quinze em quinze dias com as famílias para discutir melhoras para o Quilombo. E em uma dessas reuniões, a Comunidade manifestou o desejo de um curso de corte e costura e no mês de agosto as aulas começaram, o curso oferecido pelo Pronatec chegou a Comunidade e segundo informações a participação tem sido muito expressiva.
A visita encerrou por volta de 11h com um lanche partilhado e na agenda de outubro, provavelmente a aula presencial será tomada pelos debates, análises e sugestões dos alunos.
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HISTÓRIA DE SANTA LEOPOLDINA
Conta-se
que por volta do ano de 1535, aproximadamente, foi aberto um sítio no lugar
denominado Una de Santa Maria, habitado por índios até 1759 quando, em
consequência do decreto do Marquês de Pombal, que obrigava os padres jesuítas a
deixarem as aldeias, os que não morreram abandonaram o sítio e refugiaram-se em
matas virgens. Depois vieram outros fazendeiros que abriram fazendas com mão
escrava: mas a colonização sistemática de Santa Leopoldina foi iniciada em
1856, quando o Conselheiro Couto Ferraz, Ministro do Império, autorizou a
demarcação de uma área de 567 km2, a margem do Rio Santa Maria, para a fundação
de uma colônia de imigrantes.

Cachoeiro de Santa Leopoldina chegou a ser a 3ª colônia mais populosa do império. O comércio intenso e o casario ao gosto neoclássico que se erguia fizeram com que, em 1882, a colônia se emancipasse.
Pela Lei nº 21 de 04/04/1884 foi instituída Município e, em 17/04/1887, instalou-se oficialmente o Município por meio da Câmara Municipal, constituída de seis Vereadores.
Cachoeiro
de Santa Leopoldina se destacou em tudo: apenas onze anos após a grande
invenção de Alexandre Graham Bell, o telefone, dava os primeiros passos no Rio
de Janeiro e já funcionava em Santa Leopoldina, passando pelas ruas Costa
Pereira e Taunay Telles, nos termos da autorização da Câmara Municipal
constante do Ofício nº 79, de 31 de outubro de 1887.

Cachoeiro
de Santa Leopoldina tornou-se o maior empório comercial do Espírito Santo.
Grandes firmas da Europa despachavam seus viajantes diretamente ao Porto de
Cachoeiro. Só depois que faziam esta praça é que visitavam Vitória, a Capital.
O
grande movimento assegurou uma posição social de relevo. Suas festas eram muito
concorridas. Vinham pessoas até do Rio de Janeiro na época do Carnaval. As ruas
ficavam multicoloridas de confetes e serpentinas. "Brasil Acorda" e
"Rosa do Sertão" eram os blocos carnavalescos mais animados.
Em
1919, Santa Leopoldina viu roncar em suas serras os primeiros caminhões da
época, Saurer e Mullang, tão logo foi inaugurada a rodovia Bernardino Monteiro
que liga Santa Leopoldina à Santa Teresa. Um desses caminhões foi adaptado para
o transporte de passageiros. Foi o primeiro ônibus da região e como tinha de
subir muito, serra acima, deram-lhe o apelido de “Alpino”.

“Porto
de Cachoeiro era limite de 2 mundos que se tocavam. Uma traduzia, na paisagem
triste e esbatida do nascente, o passado, onde a marca do cansaço se gravava
nas coisas minguadas. Aí se viam destroços de fazendas, casas abandonadas,
senzalas em ruínas, capelas, tudo com o perfume e a sagração da morte. A
Cachoeira é um marco. E para o outro lado dela o conjunto do panorama
rasgava-se mais forte e tenebroso. Era uma terra nova, pronta a abrigar a
avalancha que vinha das regiões frias do outro hemisfério e lhe descia aos
seios quentes fartos, e que ali havia de germinar o futuro povo que cobriria um
dia todo o solo...”(CANAÃ – Graça Aranha)”.
PREFEITURA
MUNICIPAL DE SANTA LEOPOLDINA. História do Município. Disponível em: <http://www.santaleopoldina.es.gov.br/>. Acesso em: 29 maio 2014.
Em breve apresentaremos os resultados de uma pesquisa sobre Gênero e Raça, desenvolvida com integrantes da equipe gestora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio "Alice Holzmeister", localizada em Santa Leopoldina.
NOVIDADES EM BREVE!

Sobre a "decepção" dos estudantes com a caracterização do quilombo de retiro, é importante uma discussão sobre a autodeterminação. Ou seja, os critérios do que seja ou não um quilombo não são apenas as reminiscências do passado escravista, mas projetos e ações elaborados no presente pelos próprios quilombolas. Assim, os critérios de identidade são definidos pelos comunitários e não por pessoas estranhas à comunidade. Uma nova visita deve levar em consideração o que os quilombolas pensam sobre si e não o que as pessoas externas pensam, o que obviamente reflete preconceitos e a imagem negativa construída pelo processo colonial ontem e hoje.
ResponderExcluirPara saber mais vejam: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/102588