Hiran Pinel
Professor Doutor da Universidade Federal do Espírito Santo- UFES
Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE
hiranpinel@ig.com.br
Rodrigo Bravin
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE
rodrigobravin@gmail.com
Propostas Curriculares e Práticas Pedagógicas – Comunicação Oral
Resumo: Este texto pretende contribuir para a discussão da sexualidade na escola e também narrar uma prática pedagógica na qual foi trabalhado o tema diversidade sexual com turmas do 3º ano da Escola Estadual de Ensino Médio Irmã Dulce Lopes Ponte em Viana – ES a partir de aulas expositivas e uso de um documentário. Historicamente temáticas como sexualidades, religiosidade e raça vêm sendo tratadas de forma marginal nas práticas pedagógicas, pois a escola, em muitas situações, prefere esquivar-se de polêmicas, impondo verdades absolutas e imutáveis sobre o corpo. Desta forma, no caso específico da sexualidade, percebemos que o corpo é tratado como algo dado, determinado e pronto desde o nascimento. Esta forma de pensar ignora as redes de poder existentes na sociedade e toda construção cultural que ocorre com o corpo. Nossos jovens chegam à escola, muitas vezes, com impressões equivocadas, distorcidas, crendices e preconceitos sobre o sexo e a instituição escolar ao invés de aproveitar essa possibilidade para propiciar um processo de educação sexual, prefere em muitos momentos ignorar e impor aos discentes normas, regras e uniformização de comportamentos. Por fim, o trabalho sobre diversidade sexual com estudantes dos 3º anos do ensino médio possibilitou a reflexão e sensibilização dos estudantes que ao fim da atividade apresentaram suas impressões por meio de vídeos, recortes de revistas, composição de letras de músicas, poesias, desenhos e confecção de cartazes.
PALAVRAS-CHAVE: Diversidade sexual, escola, corpo.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Embora a sexualidade seja parte integrante de nossas vidas, a escola, em muitos momentos, buscou fugir de questões que pudessem causar algum desconforto. Historicamente, temáticas como sexualidade, religiosidade e raça vêm sendo tratadas de forma marginal nas práticas pedagógicas, pois a instituição escolar prefere se esquivar de polêmicas, impondo verdades absolutas e imutáveis sobre o corpo.
Assim, no caso específico da sexualidade, percebemos que o corpo é tratado como algo dado, determinado e pronto desde o nascimento. Esta forma de pensar ignora as redes de poder existentes na sociedade e toda construção cultural que ocorre com o corpo. Nossos jovens chegam à escola, muitas vezes, com impressões equivocadas, distorcidas, crendices e preconceitos sobre o sexo e a instituição escolar ao invés de aproveitar essa possibilidade para propiciar um processo de reflexão e educação sexual, prefere em muitos momentos ignorar e impor aos discentes normas, regras e uniformização de comportamentos.
Entretanto, a escola pública como promotora de acesso ao direito constitucional á educação não pode fugir, muito menos negligenciar suas responsabilidades. Deve ser um local que ofereça o conhecimento, promova a reflexão ao mesmo tempo em que defenda uma sociedade mais justa, plural e garantidora de todos os direitos.
A CONSTRUÇÃO SÓCIOCULTURAL DO CORPO
Até os dias atuais percebemos posições de alguns grupos na sociedade brasileira que defendem a sexualidade como algo de foro íntimo e uma questão que só pode ser tratada com pessoas nas quais confiamos. Para estes, todos (as) vivem a sexualidade da mesma forma, pois ela é algo nato, herdada desde o útero materno.
[...] nossa sociedade, que de forma compulsória se afirma majoritariamente heterossexual e, portanto, legítima, estaria alheia aos processos históricos e sociais de diferenciação e inferiorização das homossexualidades. O resultado é percebido pelos privilegiados apenas como um dado natural, um fato a se constatar na ordem do universo. Ainda assim, tal constatação só se lhes apresenta quando são extremamente questionados. As homossexualidades seriam assim naturalmente inferiores, por constituírem um desvio da natureza saudável da humanidade (PRADO, NOGUEIRA E MARTINS 2012, p. 24-25).
Os discursos médicos sobre a sexualidade se estabeleceram de tal forma que pensar qualquer possibilidade diferente da norma heterossexual é inaceitável. Mas quando essa diferença se mostra, rapidamente são tomadas atitudes de desqualificação fundamentadas na defesa da “moral”, da família e da religião que buscam manter hierarquias sexuais e estigmatizar o grupo considerados inferiores.
Essas concepções aprisionaram e ainda aprisionam muitas pessoas num tabu muitas vezes inquestionável, impondo uma única forma de viver a sexualidade e, pressionando alguns grupos, como é o caso do público LGBTT (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) a viverem entre silêncio e submissão. A moralização da sexualidade é a tônica para despolitização da diversidade e sua caracterização a partir de modelos pré-estabelecidos e anormalizantes.
A migração de fenômenos políticos para o registro da moral evidencia a fragilidade dos arranjos democráticos do Estado moderno de forte inspiração republicana, que apenas aparentemente oferece a garantia dos direitos de liberdade e igualdade postos pela própria modernidade. Esta fragilidade faz com que o campo do político seja colonizado por um vocabulário moral e escorregadio, uma vez que não pode ser interpretado pela argumentação pública instalada pela emergência de novos sujeitos políticos. Aqueles sujeitos, portanto, que revelam o conflito – muitas vezes tomado silêncio ou pelo barulho excessivo – são invisibilizados na esfera pública, quando não patologizados e discriminados como portadores de discurso sem sentido, sem racionalidade, aqueles discursos que são apenas ruídos (PRADO, NOGUEIRA E MARTINS 2012, p. 33 e 34).
Louro (2000) questiona a falta de reflexão quando se fala de sexualidade e defende um debate amplo pelo conjunto da sociedade por ser um assunto político e social e também por que “[...] envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções (p. 9).”
Isso quer dizer que não se sustenta o naturalismo com que a sexualidade é pensada e ensinada, pois as ações humanas ganham sentido dentro de um contexto social e “[...] são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade” (p. 9).
Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente "natural" nesse terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza. Através de processos culturais, definimos o que é — ou não — natural; produzimos e transformamos a natureza e a biologia e, conseqüentemente, as tornamos históricas. Os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais [...] (LOURO 2000, p. 3).
A sexualidade é produzida socialmente e, por isso, os corpos acabam subordinados a diversos discursos que buscam regular, normatizar e impor verdades. Todas essas falas ecoam de instituições sociais como família, escola, religião, mídia e acabam internalizadas por muitas pessoas.
Assim, a proposta de pensar o corpo dentro de um contexto cultural contribui para desconstruir a forma natural com que sempre foi encarado, pois “[...] o corpo é uma construção sobre a qual são conferidas diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos, etc. [...] (LOURO 2013, p. 30)”.
PODER E DOMINAÇÃO
Elias e Scotson (2000) empreenderam um estudo na cidade de Wiston Parva (nome fictício), na Inglaterra buscando compreender a delinquência juvenil e acabaram descobrindo uma sociedade que não apresentava diferenças entre seus membros no que tange à renda, religião, ocupação, etc., mas que mostrava grande desequilíbrio de poder entre moradores antigos, os estabelecidos e novos residentes, chamados de outsiders.
Os autores observaram que o equilíbrio de poder nas relações instituídas entre grupos e indivíduos pode repercutir em inferioridade de poder para um deles possibilitando que o grupo mais poderoso estigmatize o que tiver menos poder, levando-o a aceitar e a vivenciar uma condição, inclusive, de inferioridade humana.
A descrição de uma comunidade da periferia urbana apresentada neste livro mostra uma clara divisão em seu interior, entre um grupo estabelecido desde longa data e um grupo mais novo de residentes, cujos moradores eram tratados pelo primeiro como outsiders. O grupo estabelecido cerrava fileiras contra eles e os estigmatizava, de maneira geral, como pessoas de menor valor humano. Considerava-se que lhes faltava a virtude humana superior – o carisma grupal distintivo – que o grupo dominante atribuía a si mesmo (ELIAS E SCOTSON 2000, p. 19).
A vida em Winston Parva era marcada por processos de figuração entre estabelecidos e outsiders que mantinham interdependência entre si, mas com o grupo mais poderoso tendo uma autoimagem (status) bastante positiva que “[...] era compartilhada por todos os seus membros e que falta aos outros [...] (ELIAS E SCOTSON 2000, p. 20)”.
A principal figuração dessa cidade era o desequilíbrio de poder entre dois grupos que causava instabilidade e autoestigmatização dos novos moradores. “[...] Mais ainda, em todos esses casos, os indivíduos “superiores” podem fazer com que os próprios indivíduos inferiores se sintam, eles mesmos, carentes de virtudes – julgando-se humanamente inferiores (ELIAS E SCOTSON 2000, p. 20)”.
Os estabelecidos evitavam manter contato com os outsiders e quando ocorriam eram apenas relações profissionais. Os novos moradores acabavam nominados sempre como os de fora.
[...] Assim, nessa pequena comunidade, deparava-se com o que parece ser uma constante universal em qualquer figuração de estabelecidos-outsiders: o grupo estabelecido atribuía a seus membros características humanas superiores; excluía todos os membros do outro grupo; e o tabu em torno desses contatos era mantido através de meios de controle social como a fofoca elogiosa [praise grossip], no caso dos que a observavam, e ameaça de fofocas depreciativas [blame gossip] contra os suspeitos de transgressão (ELIAS E SCOTSON 2000, p. 20).
Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais quando ocupam o espaço formal de educação subvertem a ordem e a moral estabelecidas num país majoritariamente cristão. São as (os) de fora, desviantes, os outsiders dentro de um espaço tomado por fofocas elogiosas que defendem a família heterossexual e cristã como único modelo aceitável de existência.
Assim como em Wiston Parva, a escola demarca posições específicas que são mantidas de acordo com o nível de coesão social entre os grupos. Para Elias e Scotson (2000),
[...] Um grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído. Enquanto isso acontece, o estigma de desonra coletiva imputado aos outsiders pode fazer-se prevalecer [...] (p. 23).
Bourdieu e Passeron (1975), analisando o sistema de ensino francês, ensinam que a ação pedagógica garante a escola o direito de se utilizar da violência simbólica, buscando inculcar valores e arbítrios culturais nos estudantes, com a valorização, por meio da moral, de certos comportamentos em detrimento de outros. Para eles, o espaço escolar serve em muitos momentos como local de transferência onde o conhecimento é medido pelo desempenho.
Entende-se por violência simbólica a ação da escola de ignorar a trajetória dos estudantes de classes populares, forçando uma interiorização de práticas pertencentes a um grupo mais poderoso.
O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode passar para além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia (BORDIEU 2007, p. 15).
O ambiente escolar, embora não pratique nenhuma violência física, obriga as pessoas a pensarem uniformemente, muitas vezes, sem perceberem que estão reproduzindo discursos homogêneos que valorizam certas formas de viver.
[...] ao se pretender apreender os mecanismos pelos quais o sistema seleciona, aberta ou tacitamente, os destinatários legítimos de sua mensagem, impondo exigências técnicas que são sempre, em grupos diversos, exigências sociais, não se pode, como já foi visto, compreender a dupla verdade de um sistema definido pela capacidade de colocar a serviço de sua função externa de conservação social a lógica interna de seu funcionamento quando se deixa de relacionar todas as características, presentes e passadas, de sua organização e de seu publico com o sistema completo das relações que se estabelecem, numa formação social determinada, entre o sistema de ensino e a estrutura de relação de classe. Conceder ao sistema de ensino a independência absoluta a qual ele pretende ou, ao contrário, não ver nele senão o reflexo de um estado do sistema econômico ou a expressão direta do sistema de valores da “sociedade global” é deixar de perceber que sua autonomia relativa lhe permite servir ás exigências externas sob as aparências de independência e da neutralidade, isto é, dissimular as funções sociais que ela desempenha e, portanto, desincumbir-se dela mais eficazmente (BOURDIEU e PASSERON 1975, p.189).
Todo esse direcionamento da escola está intimamente ligado aos princípios e valores construídos por meio da cultura que predominam em uma determinada sociedade e acabam sendo os principais e únicos a serem seguidos por todos, ou pelo menos, pela “maioria”.
Pelo estabelecimento das práticas disciplinares o corpo dos indivíduos passa a ser vigiado, educado, explicado e classificado de acordo com os saberes de cada época. Quanto mais o poder disciplinar individualiza, tomando uma norma preestabelecida como referência, busca agir sobre cada indivíduo objetivando sua normalização (FABRIS E LOPES 2013, p. 49).
ESCOLA DESSEXUADA E SEM CORPO
“O corpo parece ter ficado fora da escola [...]” (LOURO 2000, p. 87). Com essa constatação podemos pensar que muitas práticas escolares ignoram a existência de pessoas em seus espaços físicos.
Seria um trabalho docente feito por espíritos desprovidos de corpo.
[...] as teorias educacionais e as inúmeras disciplinas que constituem os cursos de formação docente pouco ou nada nos dizem sobre os corpos – dos estudantes ou dos nossos. Com exceção da Educação Física, que faz do corpo e da sua agilidade o foco central da sua acção, todas as demais áreas ou disciplinas parecem ter conseguido produzir o seu “corpo de conhecimento” sem o corpo [...] (LOURO 2000, p. 87).
Mesmo com essa constatação de que a escola, muitas vezes, ignora a presença de corpos em suas dependências é perceptível que os discursos escolares têm no corpo o foco central de “moralização”, disciplinamento e reforço da norma
Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir (1987) afirma que o ambiente escolar, assim como a prisão e o hospital são espaços de seqüestro, em que, o indivíduo é obrigado a estar durante um período de sua vida para que suas condutas, idéias e comportamentos sejam moldados de acordo com as normas vigentes.
[...] O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” [...] (FOUCAULT 1987 p. 16).
Foucault (1987) explica que o controle dos corpos não tem origem em apenas um lugar específico, mas advém de diversas instituições e que a disciplina se manifesta em “[...] pequenas astúcias dotadas de um grande poder de difusão, arranjos sutis, de aparência inocente, mas profundamente suspeitos, dispositivos que obedecem a economias inconfessáveis [...]” (p. 165-166).
Percebe-se que o corpo é aceito e compreendido dentro de uma perspectiva biológica, médica e religiosa que o produzem como algo dado, determinado. Mas, ao mesmo tempo, esse mesmo corpo é ignorado dentro de um ponto de vista cultural, impedindo uma análise dos discursos que o produzem e a possibilidade de se construir um processo efetivo de educação sexual.
Por isso, muitos discursos escolares buscam “Observar os corpos de meninos e meninas; avaliá-los, medi-los, classificá-los. Dar-lhes, a seguir, uma ordem; corrigi-los sempre que necessário, moldá-los às convenções sociais. Fazer tudo isto de forma a que se tornem aptos, produtivos e ajustados – cada qual a seu destino [...] (LOURO 2000, p. 89-90).
Dentro dessa problemática estão algumas licenciaturas que sequer consideram a sexualidade digna de compor suas grades curriculares. “[...] Parece mais fácil (mais seguro?) acreditar que as características chamadas “físicas” estão fora da cultura, são duráveis, estáveis, fixas, e portando, confiáveis [...]” (LOURO 2000, p. 91).
DIVERSIDADE SEXUAL E O DOCUMENTÁRIO SER MULHER
A proposta de trabalhar a temática diversidade sexual com estudantes de 3º anos do ensino médio é uma forma de atender aos parâmetros curriculares nacionais – PCN’s quando se referem à orientação sexual, além de possibilitar o enfrentamento de situações de homofobia e preconceito experenciadas no cotidiano da Escola Estadual de Ensino Médio Irmã Dulce Lopes Ponte, em Viana – Espírito Santo.
No dia a dia,
[...] o aluno muitas vezes chega à escola trazendo dentro de si informações distorcidas, dúvidas e ansiedades, crendices e preconceitos que lhe dão uma visão negativa em relação ao sexo. E é essa escola que pode oferecer a ele o espaço necessário para refletir sobre seus valores e conflitos, para adquirir conhecimento de questões sexuais e poder expressar sua angústia, seu medo ou culpa. A construção de uma sexualidade a partir da educação sexual recebida da família, assim como a influência dos meios de comunicação, dos amigos, das leituras que faz, é que determina a necessidade do jovem e em que grau a ação educativa na escola irá ajudá-lo a viver plenamente sua sexualidade (REIS e RIBEIRO, 2002).
Todo o trabalho foi planejado com a intenção de possibilitar a criação de um ambiente de conhecimento, acolhimento e respeito à diversidade sexual existente na EEEM Irmã Dulce Lopes Ponte a partir de um processo de sensibilização do corpo discente e da possibilidade deles (as) se expressarem por meio da arte, mostrando a forma como viam a diversidade sexual.
Durante duas semanas foram realizadas aulas expositivas focadas no debate sobre diversidade sexual e religiosa na escola e no Brasil. Nessas aulas todos (as) tiveram a oportunidade de externar seus argumentos favoráveis e contrários a aceitação das diferentes formas de sexualidade.
Tivemos falas muito interessantes de estudantes que compreendiam o direito de todas as pessoas a fazerem suas escolhas, inclusive no que tange à sexualidade. Por outro lado, vários dos (as) jovens se mostraram reticentes co ma possibilidade de aceitar, por exemplo, a sexualidade de uma travesti e afirmaram que sua presença causaria constrangimento na escola. Para explicar suas posições, foram utilizados diversos argumentos como discursos médicos, psicológicos e religiosos. Alguns estudantes disseram que uma travesti poderia estar sofrendo de patologia clínica, outros (as) afirmaram que na bíblia Deus criou apenas homens e mulheres e que a família heterossexual é uma instituição divina.
O que percebemos de uma forma geral foi que os (as) estudantes com posições contrárias pensavam e aceitavam o corpo como determinado, natural e definido desde o nascimento.
Quanto a isso Louro 2013 nos ensina que “[...] o corpo é uma construção sobre a qual são conferidas diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos, etc. [...] (p. 30)”.
Por isso,
O fato de a família ter valores conservadores, liberais ou progressistas, professar alguma crença religiosa ou não, e a forma como o faz, determina em grande parte a educação das crianças e jovens. Pode-se afirmar que é no espaço privado, portanto, que a criança recebe com maior intensidade as noções a partir das quais vai construindo e expressando a sua sexualidade. (BRASIL 2000, p. 291).
Após as aulas expositivas, os estudantes tiveram a oportunidade de assistir o documentário Ser Mulher. Este vídeo foi produzido pela 8ª oficina do Projeto Olho Vivo em Curitiba, Paraná e conta as histórias de vida de Maitê Schneider, Carla Amaral, Edna Irigutti e Rafalelly que são transexuais. Duas delas fizeram cirurgia de readequação sexual e outras duas não.
Elas narram ao longo de cinqüenta minutos as experiências vividas no processo de transformação de seus corpos e vários momentos em que foram tratadas com violência e preconceito tanto por familiares quanto pelo resto da sociedade.
Após a apresentação do vídeo voltamos á sala de aula para realização de novo debate no qual os (as) estudantes agora falariam de suas impressões sobre o vídeo. Foi muito interessante ouvir que muitos (as) gostaram do documentário. Mais gratificante foi perceber mudanças de postura e processos de sensibilização quanto à necessidade de respeitar as decisões dos outros.
Por fim, todos (as) alunos (as) foram convocados (as) a expressarem suas impressões sobre a temática diversidade sexual em forma de arte. Eles (as) foram muito criativos. Tivemos letras de músicas compostas por eles, poesias, desenhos, recortes de revistas, entre outras (algumas produções estão em anexo neste trabalho) que nos fizeram acreditar que é possível levar para dentro da escola temáticas historicamente marginalizadas nas práticas pedagógicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identidade humana na atualidade é construída sobre bases marcadamente globalizadas. Por isso, suas principais características são a provisoriedade, a homogeneização e a “fabricação” de gostos.
A diferença, quase sempre, é tratada com estranhamento, pois em muitos momentos não somos ensinados em casa, na escola, muito menos em nossas religiões a respeitar o que não conhecemos mesmo o povo brasileiro sendo altamente diversificado em relação à cultura, às crenças, à sexualidade, à raça, etc.
Pensar a diversidade sexual é um perigo para os discursos que pensam o corpo como algo determinado e sem possibilidade de modificação. A escola enquanto espaço de socialização não pode se eximir da responsabilidade de levar aos discentes possibilidades de conhecer a realidade em suas múltiplas determinações.
Em muitas situações, o apreço à diferença permanece destituído de ações institucionais que lhe dê sentido e significado social. Na nossa percepção, parece característico da fase civilizatória em que nos encontramos haver muito mais uma obsessão em cultivar no outro a libertação daquele modelo que nos incomoda, que subverte a regra do que expectativa em desenvolver ações que impulsionem outras compreensões fundamentadas em patamares que se desvinculem do processo de anormalização do que nos é estranho.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. (trd) Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MECSEF, 1998.
ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro – RJ. Zahar, 2000.
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Volume 1. Rio de Janeiro – RJ. Zahar, 2011.
FABRIS, E. H.; LOPES, M. C. Inclusão & educação. Belo Horizonte – MG. Autêntica, 2013.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade: a sociedade brasileira em transição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
______. Pedagogia do oprimido. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. (TRD.) Raquel Ramalhete. Petrópolis – RJ, Vozes, 2013.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
BORDIEU. P. O poder simbólico. (trd) Fernando Tomaz. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil, 2007.
LOURO, G. L. Currículo, gênero e sexualidade. Porto Editora, Portugal, 2000.
____________. Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis – RJ, Vozes 2012.
____________. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte – MG, 2000, Autêntica.
____________. et al. (Orgs.) Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis – RJ, Vozes 2013.
PRADO, M. A. M, et al. Escola e política do armário na produção das hierarquias sexuais no Brasil. In: RODRIGUES, R.; BARRETO, M. A. S. C. (Orgs.) Currículos, gênero e sexualidades. Vitória – ES, Edufes, 2012
REIS, G. V.; RIBEIRO, P. R. M. A orientação sexual na escola e os parâmetros curriculares nacionais. In: RIBEIRO, P. R. M. (Org.). Sexualidade e educação sexual: apontamentos para uma reflexão. Araraquara: FCL/ Laboratório editorial; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2002, p.. 81-96.
Ser Mulher. Dir. Luciano Coelho. Perf. Maitê Schneider. Projeto Olho Vivo, 2007. Filme.
ANEXOS
ANEXO 1 – Atividades produzidas pelos estudantes